O Diagnóstico
Liora nasceu em março de 2009 depois de uma gravidez relativamente tranquila e com poucas intercorrências. Um sangramento na 12ª semana de gestação, onde precisei fazer um repouso de 1 mes, e uma cirurgia de apêndicite na 26ª semana. Liora quase não chorou ao nascer e era uma bebe muito tranquila nos primeiros dias. Então começou uma assadura que levou quase 4 meses para melhorar. Nestes 4 meses Liora chorava muito e as vezes passava quase 24hr acordada direto. Era exaustivo e frustrante ver aquele bebe chorando e sem dormir por horas seguidas e não ter idéia de como confortá-la.
Mas depois dos 4 meses tudo mudou e nosso mundo ficou mais alegre, quer dizer, bem mais alegre. Liora não parava de sorrir. Eu costumava dizer que ela era o bebe mais feliz do bairro, sorria até para parede branca. Meu pai, que antes dos 4 meses de Liora sempre dizia que ela só chorava e que precisava de uma chupeta, passou a dizer que já não lembrava mais dela chorando e que era impressionante como ela era um bebe alegre e contente. Liora era conformada com tudo. Podia ficar horas no carrinho, no chão, na cama... Onde ela estivesse, estava feliz. Não reclamava de nada, bem diferente do irmão Zion que desde bem novinho não podia ficar parado no carrinho e exigia colo de mãe a toda hora. Liora era simpática e ia com todo mundo.
Quando fomos à consulta de 6 meses no pediatra, comentei com ele que estava um pouco preocupada com o desenvolvimento motor da Liora. Ela ainda não se arrastava, rolava raramente e sempre com uma ajudinha ou estímulo. Ele falou para não nos preocuparmos, pois tínhamos uma experiência com o Zion que não podia ser tomada como "padrão", já que ele foi precoce e engatinhou aos 6 meses e aos 10 meses já andava.
Aquele atraso me incomodava. E o sono, ai ai ai o sono. Liora tinha um padrão de sono bem irregular e qualquer barulhinho, por menor que fosse, despertava ela. Mas na época eu era chamada de fresca, que não queria barulhos em casa e que Liora tinha que aprender a conviver com a bagunça.
Aos 9 meses insisti com o pediatra que ela estava muito atrasada. Apesar de ter sustentado a cabeça na idade certa e ficar sentada, Liora não se sentava sozinha, não se arrastava e nem demonstrava interesse em aprender a se locomover. Ele então disse que Liora era um pouco hipotônica, mas que ia dar um voto de confiança e esperar mais um mês, pediu que a deixássemos no chão e que ela precisava de estímulo, muito estímulo.
Aos 10 meses nada havia mudado, então ele nos deu uma indicação de fisioterapeuta pra que Liora começasse imediatamente e sugeriu que procurássemos uma neuropediatra. Marcamos a consulta e começamos a fisioterapia. A neuro examinou Liora por 2 horas e chegou a conclusão de que, naquele momento, ela tinha "HIPOTONIA BENIGNA DA INFÂNCIA". Pediu que voltássemos em 3 meses com a Liora engatinhando.
Com 2 semanas de fisio Liora já se sentava sozinha e se arrastava na posição de "guerrilheiro". Com 11 meses Liora quebrou o bracinho mas ainda assim progredia na fisio. Com 1 ano e 1 mes Liora estava engatinhando e voltamos na neuro. No dia da consulta ela estava meio doentinha e amuada, o que pode ter prejudicado um pouco na análise da médica. Mas ela continuava achando que Liora tinha apenas hipotonia.
Viajamos de férias para a Disney e ao voltarmos resolvemos pegar uma segunda opinião. Tivemos a indicação de uma nova neuropediatra, Dra. Silvia MIranda, médica e pessoa maravilhosa. Fomos vê-la quando Liora estava com 1 ano e 2 meses. Ficamos em torno de 2hr no consultório dela e a primeira pergunta que ela nos fez foi "Do que ela gosta de brincar" e eu respondi que Liora gostava de comer brinquedos. Tudo, literalmente, ia para a boca. Por fim ela nos disse que Liora tinha "ATRASO GLOBAL DE DESENVOLVIMENTO". Perdi meu chão. Ela pediu uma ressonância magnética, Quando cheguei em casa e joguei o termo GLOBAL DEVELOPMENTAL DELAY no "Dr." Google, o primeiro resultado que vi foi um vídeo sobre a síndrome de Angelman. Lá falava de um menininho portador da síndrome e suas características, entre elas a atitude alegre e o riso frequente e contagiante. Na época não dei muita importância mas também não esqueci.
Fizemos a ressonância e quando saiu um resultado, um novo choque. Liora tinha um atraso de mielinização. Aquilo podia explicar todo o seu atraso de desenvolvimento e não ser absolutamente nada, mas também podia significar uma dismielinização e ser um indicativo de doenças metabólicas degenerativas. Fiquei arrasada, até porque a pessoa (mãe maravilhosa que se tornou uma "amiga e inspiração", obrigada Camila!) que me indicou a Dra. Silvia estava enfrentando com sua filhinha uma doença degenerativa que foi diagnosticada a partir de uma ressonância com um resultado semelhante ao da Liora. Para me acalmar, a Dra Silvia pediu exames metabólicos para descartar estas doenças. E voltaram todos negativos, para meu alívio. Então a Dra. Silvia sugeriu que começássemos a terapia ocupacional (TO) para desenvolver o cognitivo da Liora.
Começamos a TO em agosto. Em stembro voltamos na Dra. Silvia. E ela disse que do pnto de vista neurológico, ela não tinha mais recursos de exame e nos encaminhou para uma geneticista.
A geneticista examinou Liora em detalhes. Olhou o cabelo, os pés, as mãos, as unhas... Tudo! E pediu dois exames: estudo de cariótipo e FISH (Hibridização In Situ Fluorescente) para síndrome de Williams. Quando indaguei o por que da síndrome de Williams ela disse que além de algumas características físicas que podiam indicar a síndrome, as Liora era alegre e simpática, outra característica. Então perguntei por que não Angelman. Ela disse que era uma segunda opção. Então pedi que fosse feito logo o exame, já que ia tirar o sangue que tirasse para os tres exames.
Quando chegamos em casa naquela noite depois da consulta, colocamos as crianças pra dormir e fomos ler sobre as duas síndromes na internet. Vimos que Liora quase não tinha características de Williams, mas se encaixava em praticamente 90% das características da síndrome de Angelman. Ficamos muito assustados! Chorei muito nesta noite e nos meses que se seguiram.
Comecei a ler e pesquisar tudo sobre a síndrome. Era muita informação! Logo vi que a Liora estaria dentre os indivíduos mais funcionais e provavelmente não tinha deleção (o único mecanismo detectado no exame FISH). Me informei como fazer a metilação (o segundo passo na pesquisa por um diagnóstico) e quando o resultado do FISH saiu logo procurei a geneticista. Coletamos e mandamos o sangue dela e o nosso para São Paulo, para o Instituto de Biociências da USP. Fiquei em contato com as geneticistas de lá (Dra Mônica Varella e Da. Célia Koiffman). E depois de 2 longos meses o resultado voltou negativo. Neste ponto, já tinha me desligado da geneticista do Rio e fazia minha busca sozinha.
Liguei pra Dra. Célia pra perguntar se elas faziam o sequenciamento do DNA pra procurar mutações. Ela disse que não estavam fazendo este exame no momento. Encontrei um laboratório em Curitiba que cobrava a assustadora quantia de R$15.000 pelo exame. Então procurei um laboratório nos EUA que faziam o exame. Eles cobravam US$1.500 pelo exame. Liguei novamente na USP para saber como mandar o sangue. A Dra. Célia sugeriu que antes de fazer o exame procurassemos o Dr. Fernando Kok em São Paulo, um neuropediatra com alguns pacientes com SA. Fomos pra consulta e ele viu as características que víamos na Liora. Encaminhou-nos direto para um laboratório em São Paulo para fazer um EEG (eletroencefalograma) com uma médica que conhecia o padrão específico de Angelman. Dependendo do resultado do EEG ele pediria o sequenciamento ou um outro exame genético. Fizemos o EEG e 4 dias depois o resultado voltou com a alteração característica da síndrome. Ele então pediu que fizemos o sequenciamento. Mandamos o DNA da Liora pra California e no final de março de 2011 o resultado voltou positivo para síndrme de Angelman. Enfim acabara a nossa busca por um diagnóstico. E por pior que pareça, foi um alívio ter o resultado positivo, pois sabíamos com o que estávamos lidando. Já estava bem informada sobre a síndrome e preparada para àquele momento.
Apesar da Liora ter síndrome de Angelman, a síndrome de Angelman não "tem" a Liora. Ela não define minha filha. Liora é uma criança feliz, saudável e muito amada. Ela é simpática e ilumina o ambiente em que está presente. Muitas pessoas nem desconfiam de todas as batalhas que essa menininha de apenas dois aninhos já enfrentou. O que parece muito fácil de se aprender para uma criança "típica", é muito mais difícil para a Liora, mas ela não desiste! Ela enfrenta seus desafios diários com um sorriso no rosto. As pessoas me param na rua pra dizer como ela é linda e simpática!
Liora tem uma família que a ama muito. Pais, avós, tios, primos... Principalmente seu irmão mais velho, Zion, que cuida dela e é o melhor irmão mais velho que ela poderia ter. Ele brinca com ela, implica com ela, protege ela... como um irmão deve fazer!